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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

- " Quando eu morrer, duvido que não me brote do ser...."

 
Quando eu morrer, não me enterrem aos prantos, nem murmurem aos cantos : -"coitada!"
Bem perto, com certeza vão notar, uma avestruz desajeitada,
que de sufoco, morreu, como se sua cabeça estivesse enterrada!
Prestem-lhe atenção, que entre as asas, de uma brecha no coração,
sairá uma ave estranha - misto de pomba e andorinha !
Minha alma, podem crer, estará nela. Assim,
quando eu morrer, não me enterrem em prantos, fiquem felizes por mim!
Fui feliz o quanto pude. Tive amor, família, saúde,
tive quase tudo que eu quis, já que não desejei demais.
Amei a simplicidade e a liberdade dos momentos mais banais.
Se, entretando, alguma coisa guardei, escondida dentro de mim,
foi apenas esta ave estranha, agora liberta enfim!
Com a pomba em sua pureza, voarei eu certamente,
feliz, em meu vôo mais que inocente!
Entretanto, se o descrente,  não puder crer no que vê, 
ou por alguma razão incerta, alguém notar alguma indecisão,
nas asas de andorinha, desta estranha pomba liberta,
aí sim,amigos,  chorem por mim!
Tão frágil, a coitadinha,frente a este vôo inesperado
e a descrença de quem não vê, e
como é de sua natureza, não querer voar sozinha,
pode sentir tamanho medo e lhe cause tal susto, a surpresa,
que ela talvez volte pro coração,da ave que jaz no chão!
Então sim, chorem de pena e junto com a avestruz, me mandem cremar,
e minhas cinzas esparramar,numa noite linda e serena,
sôbre os lagos, as matas e o mar.
Porque será este, em cinzas, meu  derradeiro vôo.

Por isto, peço a quem me ama,não me façam velório,
nem me exponham aos olhos de quem não acreditou em mim,
e, por favor, nem me prendam na lama.
Pra matar as saudades,de quem as tiver de mim,
basta abrir uma janela,em dia de verão e ver
as andorinhas. Ou ouvir uma canção,
deixar o sol bater no rosto e rir mesmo de gosto,
de qualquer bobagem ou sonho,como eu faria pra alegrar o coração!
Mas...Quando eu morrer, duvido que não me brote do ser
esta ave estranha,misto de pomba e andorinha!
E se ela,em seu vôo livre, o infinito não alcançar,
então sim,podem me chamar :- "coitada"!
E na singela caixinha, invólucro do que eu fui, 
quem não quis crer, na ave que viu voar,
poderá, iludido escrever, ao lado da pequena cruz :
"Aqui jaz uma pomba branca,com asas de andorinha,
que morreu, pobrezinha, no corpo de uma avestruz!"

Vera  Alvarenga                                                1981

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